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O processo na casa que pertenceu ao dramaturgo inglês John Osborne, na Inglaterra, ocorreu de forma
inversa à Casapina: a casa de John começou como um livro, para se tornar casa no decorrer do processo. Tive acesso primeiro à uma peça por ele escrita, "Look back in anger", o que valeu a Osborne o apelido de jovem homem raivoso. A ação de ler se expandiu à casa, à floresta, à vila, ao idioma e às pessoas do lugar. Do espaço mental que era, a casa inglesa se tornou muito física, no intuito de suportar meus comentários, minhas próprias ações.
The Hurst, como é chamada, era muito masculina, sóbria e séria. Estava vazia, então podia vê-la como um corpo só e contínuo. John’s House, como passei a chamá-la, tem a memória de um escritor vivendo dentro dela, e seus textos tornaram-se, assim, um material tão físico quanto as pedras da fachada, a madeira do piso e o vidro da green house. Porém, mais do que seus textos, sua ausência era a constante em todos os espaços: nas marcas dos quadros que estavam por toda a casa e foram retirados, nas cores das paredes escolhidas pela esposa, um quarto de cada cor, uma cor para cada espaço. No porão, que parecia haver dado o tom da obscura biblioteca do segundo andar.
Uma situação naturalmente mais fria que Casapina, onde eu poderia distanciar-me e adotar um olhar mais objetivo. Onde era provável tornar-me tão estrangeira quanto no meu lugar de origem.
Citando Lewis Carroll, quando a personagem Humpty Dumpty (Alice no espelho / Through the Looking Glass )
diz: “When I use a word, it means just what I choose it to mean, neither more nor less ”. Penso que quando estou dentro desse estreito limite entre a realidade e a ficção, sou capaz de escolher que a casa (e seu vazio, sua floresta, sua luz…) signifique o que eu decidir que ela signifique, nem mais, nem menos.
Esta pesquisa foi possível graças à uma bolsa Artist Links, do Arts Council-British Council, e ao apoio da Arvon Foundation.
O conjunto deste trabalho é parte do mestrado em Poéticas Visuais "A construção da casa", 2010, orientado por Carlos Fajardo na Escola de Comunicações e Artes, USP. Disponível em TEXTOS.
Cinza por fora, cores tão fortes por dentro. Afirmações, ainda que profundamente encerradas. Leio Lewis Carrol e Virginia Woolf, o lugar como elemento potencializador da literatura. Porque me situo dentro da história sou participante, não mais observador. Construo a casa a partir da ficção em que me encontro.
video, 27'23", co-autoria com o cantor britânico Phil Minton, 2009.
A paisagem, assim como as janelas, fazia parte inerente da casa. Os caminhos retratados eram percursos do cotidiano do viver naquele lugar.
O corpo trazia, na imagem, a escala da natureza dali, monumental e com sinais de eternidade. Embrulhar o corpo na cor e arrastá-la por paisagens quase fictícias, com uma vestimenta inverossímil, construindo trilhas violetas sobre o verde intenso, com a vontade
Tomar posse: limpar a casa, abrir as janelas, destravar a porta da frente, andar ao seu redor. Preencho os vazios diariamente com caminhadas, com movimento, com deslocamentos. Não quero violar essa condição de vazio. O exterior já está cheio demais, de florestas, torres, flores, cavalos, árvores. O vazio inglês tem uma característica bem peculiar: um vazio preenchido de tempo, com essa densidade histórica. John’s House está cheia desse peculiar vazio inglês.
O piso deve ser de madeira, e coberto por folhas de ouro em sua totalidade. É ideal que as folhas não sejam fixadas de forma definitiva, apenas o suficiente para mantê-las sobre a superfície como uma pele sobreposta e muito frágil. O cômodo ideal seria um átrio ou hall de entrada, um lugar de passagem, de onde saiam como afluentes outros cômodos da casa. Progressivamente aderindo aos sapatos dos
E se em vez de um homem raivoso morasse uma mulher nessa casa, sozinha. Todas as noites ela acenderia todas as velas possíveis em uma das salas. Uma noite numa sala, outra noite em outra.
Seria tanta luz, a que viria da janela, que os (raros) passantes acreditariam se tratar de um incêndio. Se abrissem as cortinas veriam apenas uma vela, amplificada milhares de vezes pelo chão de ouro.
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